Há algum tempo venho pensando em escrever sobre estratégias
de guerra que entraram para História, mas aplicadas à tática do futebol, isto
é, como os técnicos utilizam, conscientemente ou não, estas estratégias
vitoriosas nos seus planos de jogo.
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O jogo de ontem (18/04/2012) de Chelsea Vs Barcelona fez-me
voltar ao tema. Ora, vamos ao General Histórico: Tendo o Peloponeso sendo
atacado pela maior horda de soldados que o mundo já vira até então (o exército
de Xerxes, senhor da Pérsia), Leônidas, um dos três reis de Esparta (capital do
Peloponeso), promove um estratagema suicida: levar sua guarda pessoal de 300
guerreiros de elite, liderando um total de 3000 soldados para o estreito
desfiladeiro das Termópilas (“passagens quentes”), onde o grande número inimigo
ficaria esmagado, na sua estreita estrada, entre os muros do penhasco e a queda
direta ao mar revolto da Grécia.
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Devemos compreender a vitória de Leônidas como uma vitória
moral e psicológica. Um contingente minúsculo parar o maior exército do planeta.
O suficiente pra interromper a marcha de Xerxes – completamente desmoralizado –
e, finalmente, unificar toda uma helenidade que, se unida pelos laços culturais
e linguísticos, era totalmente fragmentada politicamente, tendo, cada Pólis,
seu próprio basileu.
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Analogicamente, podemos ver no jogo de futebol uma situação
idêntica. Ora, se pelas regras, não existe maior quantidade numérica de jogadores
em time do que em outro, nós podemos nos deparar com uma diferença técnica e/ou
física absurda. Um exemplo claro é qualquer equipe que enfrente o atual Barcelona.
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Lembremos, pois, a seleção francesa de 2006. Para aproveitar ao máximo Zinedine Yazig
Zidane, o 4-2-3-1 gaulês defendia em dois bancos de 4, mantendo Zizou e Henry
pressionando na frente os zagueiros. Então, com 4 homens podemos defender muito
bem, quando sentamos atrás, afinal teríamos um jogador à direita, outro ao
centro e um terceiro à esquerda, mais um dobrando a marcação em cada uma dessas
três zonas. No entanto, não era isso que o selecionado do Galo Azul fazia: Ao
invés de se manterem “largos” (wide)
eles se mantinham “estreitos” (narrow),
como colocam os ingleses tão preocupados em jogar pelos lados do campo.
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Neste sentido, a estratégia era a mesma da de Leônidas:
abrir um campo estreito para o adversário passar, onde sua “maioria” física
seria inútil contra os velhinhos franceses. Tendo 8 homens à sua frente, o
adversário central procuraria um jogador livre pela direita – por exemplo –, e
a equipe azul descia em bloco em direção à bola, sem necessariamente dar
combate direto – isto é, não faziam pressão alta sobre a bola, mas a
perseguiam-na em bloco em pressão leve –; a saída do jogador na direita era
simples, voltar para o centro. E de lápra esquerda, e da esquerda de volta para
o centro, etc. etc. etc., sendo induzidos assim ao erro e entregando
contra-ataques mortais aos velocíssimos wingers
franceses – Assistam novamente ao jogo contra a Espanha, e revejam os golos de
Zidane e Ribery nesta partida –.
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Ora, e não foi esta a estratégia do Chelsea, ontem contra o
Barça? Um 4-3-3/4-5-1, com três volantes, tendo apenas Lampard como homem que
sai – embora, no jogo em questão, ele nem saiu de trás, apenas para bater bolas
paradas –. Bem aberto na esquerda estava Ramires na sua função de carrillero (o segundo volante lateral do
4-3-1-2 argentino) aberto, justamente pra bloquear as subidas de Dani Alves, e
aproveitar, com sua velocidade e vigor – comparáveis ao próprio lateral blaugrana – as costas do brasileiro do
time catalão. Na ponta-direita encontrava-se Mata. Mas Mata jogou praticamente
centralizado, aumentando, assim, a quantidade de jogadores na região de posse
de bola. Desta forma, Di Matteo fez uma aposta, apostou que o Barça jogaria com
um ponta muito aberto na esquerda e com Puyol fazendo o jogo de Abidal – o
lateral/terceiro zagueiro pela esquerda –. A sorte de Di Matteo foi que o Barça
tinha um lateral apoiador na esquerda, Adriano, mas o ponta era Iniesta, que
sempre centralizava naturalmente; Mata, desta forma, não precisaria marcar
ninguém, deixando lateral contra lateral na direita do seu time.
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A superioridade técnica do Barcelona foi reduzida a um
estreito caminho pela esquerda, com apenas um jogador sendo capaz de utilizar
aquele setor eficientemente. No fim da partida, Guardiola tentou aproveitar-se
desse corredor, colocando por ali Thiago Alcântara, mas já era tarde. Sendo
pouco municiado, Messi foi obrigado a descer até onde não é efetivo, na frente
dos volantes adversários, para buscar a bola. Numa dessas descidas, foi desarmado
por um Lampard que não subia, que lançou um Ramires solto nas costas de um Dani
Alves muito avançado, que correu e deixou Drogba em posição de finalização. Um
chute de dentro da área e um gol. A eficiência é necessidade sine quae non para este tipo de
estratégia.
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Devemos compreender a vitória de Leônidas, dum ponto de
vista futebolístico, como uma vitória deste mesmo tipo. O time mais fraco que
estrategicamente se segura e em uma bola faz o resultado. Ou leva o empate até
os pênaltis, em que a habilidade individual fica reduzida ao instante da
finalização, num embate mano-a-mano contra o goleiro.
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Se Di Matteo usou esta estratégia de forma consciente ou
não, isso é irrelevante, como é irrelevante questionar se os traficantes que se
utilizam das estreitas vielas das favelas para combater e fugir da polícia nos
morros brasileiros conhecem estratégia militar e a História de Leônidas – ou se
só assistiram ao filme de Zack Snyder baseado no romance gráfico de Frank
Miller –. O fato é: o aproveitamento de uma estratégia antiga, do considerado o
maior General da História ocidental, devidamente adaptando a sua filosofia ao
“novo campo de guerra”, ainda funciona perfeitamente. Como no caso do rei
espartano, esta estratégia necessita, acima de tudo, que os seus guerreiros/soldados/jogadores
sejam extremamente disciplinados. No fim do jogo, a defesa dos blues relaxaram um pouco e só não
devolveram o empate com gols aos catalães, se não fosse o chute absurdo de
Sérgio Busquetes por cima do gol totalmente aberto dos ingleses.
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Na próxima segunda-feira voltaremos ao mesmo tema,
investigando onde e como Alexandre, O Grande, da Macedônia está presente na
mente tática dos treinadores de futebol.
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Para uma análise tática da partida e uma visualização de
como o Chelsea abriu a direita para afunilar o Barcelona, leia aqui, no Zonal Marking.
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